O Cão Guia é um tipo de Cão de assistência especificamente treinado para facilitar a locomoção e conduzir em segurança a pessoa cega ou com baixa visão em qualquer tipo de ambiente. Além de propiciar uma mobilidade excepcional, esses Cães também trazem vários outros benefícios como o aumento da autoestima e uma maior inserção social da pessoa com deficiência visual.
Essa relação entre Cães e pessoas cegas é muito antiga. Há, por exemplo, uma placa de madeira encontrada nas ruinas Romanas na idade média, que retrata um cego sendo guiado por um Cão. Também existem vários relatos documentados do treinamento de Cães para o auxílio de pessoas cegas ou com baixa visão datados dos séculos XVIII e XIX, mas essa prática passou a ser realizada em grande escala durante a 1ª Guerra Mundial, quando Cães eram treinados para guiar soldados que voltavam sem a visão do fronte de batalha. Atualmente, há treinadores autônomos devidamente qualificados e certificados e escolas que fazem esse tipo de adestramento no Brasil e em vários outros países gratuitamente. Porém, infelizmente, devido à complexidade e ao alto custo para as instituições treinadoras, o número de Cães entregues é bem menor que a quantidade de pessoas com deficiência visual que precisam e querem um Cão Guia, principalmente em nosso país.
Diversas raças podem ser utilizadas para esse fim, como Golden Retriever, Labrador, Pastor alemão, Poodle Gigante, Flat-Coated Retriever entre outras. Porém, um Cão, seja de qualquer raça, tem de passar por algumas etapas até se tornar um Guia. A primeira delas se dá quando o filhote ainda é recém-nascido, e passa por vários exames clínicos e psicológicos. Isso garante que os Cães que passarão para a próxima etapa estarão saldáveis, com o temperamento estável e sem nenhum traço de agressividade.
O próximo passo é a socialização. Nessa fase, o filhote é entregue a uma pessoa ou família socializadora. Esses indivíduos são voluntários, devidamente cadastrados e instruídos. Eles são autorizados por lei e incentivados a levar os cãezinhos ao maior número de lugares possível, onde eles devem ensiná-los a conviver com outros seres humanos, e como devem se comportar em cada um desses locais. Dessa forma, os Cães que irão para a etapa seguinte não estranharão e se comportarão adequadamente nos mais diversos ambientes e situações pelas quais passarão. A socialização pode durar de 8 meses a 1 ano e 2 meses dependendo do treinador ou da escola onde estão sendo treinados.
Após terem sido socializados, os Cães vão para o treinamento específico de Cão Guia. Nessa fase, eles aprendem como desviar de obstáculos tanto laterais quanto aéreos, sempre levando em consideração que terão uma pessoa caminhando ao seu lado. Aprendem também a encontrar várias coisas mediante a comandos do usuário como entradas e saídas de estabelecimentos, escadas, elevadores, as guias das calçadas, faixas de pedestre, dentre outras. São orientados a reconhecer, parar e indicar obstáculos ao usuário quando não é possível desviar, e são ensinados ainda a identificar situações de risco, e aprendem a desobedecer ao usuário caso entendam que obedecer seja perigoso. Nessa etapa, o Cão começará a usar o equipamento que no Brasil é chamado de arreio, e consiste basicamente em um peitoral com uma alça que sai da lateral superior da pata dianteira direita, passa por cima da garupa, e vai até a lateral superior da pata dianteira esquerda do Cão. É nessa alça que o usuário segurará, e através dela sentirá todos os movimentos do Cão, como parada, aumento e diminuição de velocidade, virada para os lados, e movimentos de subida e descida. É extremamente importante ressaltar, que os treinadores só seguirão com o treinamento se o Cão se sentir confortável guiando. Existem vários métodos e sinais para se identificar isso, e caso o Cão não se sinta bem em guiar, ele não se tornará um Cão Guia. Ou seja, todo Cão Guia gosta de guiar, e é feliz fazendo isso. Essa parte do treinamento dura geralmente de 6 meses a 1 ano, dependendo do desenvolvimento do Cão e do treinador ou escola onde está sendo treinado.
A última etapa ocorre com o treinamento do usuário juntamente com o Cão. É válido salientar, que as filas de espera para receber um Cão Guia não seguem um padrão cronológico, e sim um casamento de características. Sendo assim, quando um Cão está apto para guiar, o instrutor ou a instituição buscam em seus respectivos cadastros de candidatos pessoas que tenham o maior número de características compatíveis com aquele Cão. As características do Cão são apontadas pelos treinadores, e as do candidato são colhidas através dos formulários que ele responde ao se inscrever na instituição. Vários aspectos são levados em consideração para a escolha da dupla como velocidade de caminhada do candidato e do Cão, tamanho de ambos, temperamento do Cão e estilo de vida do candidato, dentre outros.
Escolhida a dupla, o candidato é comunicado, e assim que possível ambos passam por um treinamento juntos. Nessa fase, o candidato aprende como comandar o Cão e como entender e interpretar as reações dele. Aprende também como ter vários cuidados com o Cão, como cuidar de sua saúde, higiene, bem-estar etc. Esses ensinamentos e o tempo de duração do treinamento que pode ser de duas a quatro semanas variam de acordo com o treinador ou instituição a qual o Cão pertence. Algumas dessas instituições aplicam um teste prático ao final do treinamento afim de verificar se o candidato está realmente apto a formar dupla com aquele Cão, e algumas continuam o treinamento por mais uma ou duas semanas no local onde Cão e usuário irão viver.
A partir de então, sendo o candidato aprovado, Cão Guia e usuário passam a ser uma dupla. Várias escolas e treinadores dizem que o auge da maturidade e da sinergia entre os dois ocorre num período de aproximadamente um ano depois do término do treinamento, mas o aprendizado mútuo continua ao longo de toda a vida da dupla. Após a entrega do Guia com sua respectiva documentação e paramentos de identificação, a dupla está oficializada, e daí em diante o Cão estará junto do usuário em todas as fases do seu dia a dia, seja no trabalho, no lazer, no descanso e em todas as outras situações que surgirem, sendo a saúde e o bem-estar dele de inteira responsabilidade do usuário. No Brasil, o direito de ingressar e permanecer com o Cão Guia nos veículos e nos estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo é assegurado pela Lei 11126 de 27 de junho de 2005 que é regulamentada pelo decreto 5904 de 21 de setembro de 2006. Essa legislação é válida tanto para Cães Guia já treinados, quanto para Cães em treinamento que estejam com famílias socializadoras ou treinadores.
Assim como nós, os Cães Guia também se aposentam. As raças utilizadas para esse fim têm uma expectativa de vida de doze a quinze anos, e com o avançar da idade, características como vigor físico, audição, visão, olfato, reflexo, necessárias para que o Cão guie com segurança tanto para si próprio quanto para o usuário vão se deteriorando, embora muitos deles continuem manifestando a vontade de guiar até o final de suas vidas. Sendo assim, caso não tenha nenhum problema de saúde que o faça parar de guiar precocemente, um Cão Guia conduz seu usuário em média até seus dez anos de idade. Após a aposentadoria, várias situações podem ocorrer dependendo da condição e vontade do usuário, e da capacidade e regulamentos da instituição ou treinador que treinaram aquele Cão. Geralmente a prioridade é a reposição, e, portanto, assim que um Cão se aposenta, o usuário volta ao treinamento para receber um novo Cão Guia. A partir desse momento, o Cão anterior tem seu merecido descanso, passando a viver como um animal de estimação, junto de seu dono e de seu novo amigo. Porém, outras situações podem ocorrer como a recusa do usuário em receber um novo Cão Guia, a falta de condição do treinador ou instituição em repor o Cão aposentado, ou a impossibilidade do usuário de manter dois Cães. Neste caso, algumas instituições podem receber o Cão aposentado de volta para cuidar dele, podem o encaminhar para uma família devidamente cadastrada para que essa forneça esses cuidados, ou pode autorizar o próprio usuário a encaminhar o Cão a alguém de sua confiança.
Este texto foi escrito tomando por base aspectos gerais e genéricos do assunto, sem privilegiar nenhuma pessoa ou instituição específica. Portanto, pode haver situações diferentes das descritas aqui devido as diversas particularidades de cada Cão, usuário, treinador e instituição formadora. O intuito é de informar, apontando a complexidade do tema e a seriedade com que ele deve ser tratado, demonstrando o enorme bem que um Cão Guia dá a uma pessoa cega ou com baixa visão, seja tecnicamente na condução ágil precisa e segura, seja no viés psicológico aumentando a autoestima e a inserção da pessoa com deficiência visual na sociedade.